A Talassemia é um distúrbio hereditário caracterizado pela ausência ou decréscimo acentuado da síntesede uma ou mais cadeias de globina formadoras da hemoglobina, o que a caracteriza como uma hemoglobinopatia1,2.
Na forma mais grave da doença, essa alteração da cadeia da globina ocasiona numa anemia severa, uma vez que a hemoglobina, responsável pelo carreamento de oxigênio no corpo, é falha, dando origem a hemácias mais frágeis e com menor vida útil no organismo do paciente3.

Alguns genes de hemoglobinopatia (alfa-tal, beta-tal e HbS) causam alfa-talassemia, beta-talassemia e anemia falciforme, respectivamente, tendo essas patologias suas semelhanças nas abordagens terapêuticas. Como os portadores saudáveis de alguma alteração da hemoglobina (até 25% em algumas populações) eram protegidos contra os efeitos letais da malária, essas anemias hereditárias eram originalmente restritas aos trópicos e subtrópicos e apresentavam altas taxas de incidência. Embora um único gene anormal possa proteger contra a malária, a herança de dois genes anormais leva ao estado de doença da hemoglobina e não confere tal proteção2.

A beta-talassemia é a hemoglobinopatia mais comum na bacia do Mediterrâneo, no Oriente Médio e na Ásia. A alfa-talassemia grave é comum no sudeste asiático, e a anemia falciforme predomina na África. A migração global crescente, no entanto, introduziu distúrbios da hemoglobina em muitas áreas onde originalmente não eram endêmicos2 e, no Brasil, se deu principalmente pela chegada de gregos e italianos4. Atualmente, cerca de 5% da população mundial são portadores de um gene de hemoglobina potencialmente patológico2 e, segundo pesquisas no Brasil, é estimado que 1,1% da população pode apresentar alterações genéticas para a talassemia1.

A talassemia alfa se apresenta de quatro formas clínicas: portador silencioso e sem manifestações, traço talassêmico alfa com anemia leve, doença da hemoglobina H, apresentando uma anemia moderada a grave e síndrome da hidropsia fetal da hemoglobina Bart’s, que se trata de uma anemia muito grave e incompatível com a vida4.

Já a talassemia beta pode se apresentar de três formas clínicas: a talassemia menor ou traço talassêmico, talassemia intermediária, podendo apresentar anemia leve a grave, e necessitar de transfusões, e talassemia maior, apresentando uma anemia grave, e exigindo transfusões de sangue a cada 2–4 semanas desde os primeiros meses de vida de forma contínua3,4.

Segundo dados da Associação Brasileira de Talassemia, a Abrasta, dos mais de 1600 talassêmicos cadastrados, 283 vivem com a talassemia maior e 222 com a talassemia intermédia3,4.

O diagnóstico das talassemias é feito pelo exame de eletroforese de hemoglobina. Também é possível estudar a mutação genética específica para chegar ao diagnóstico, sendo esse exame menos usado na rotina clínica4. Atualmente, a talassemia também é detectada pelo Teste do Pezinho ao nascimento, uma vez que existe a grande necessidade de diagnóstico precoce para seu tratamento adequado5.

O tratamento e acompanhamento das pessoas vivendo com talassemias são essenciais para prevenir complicações da doença, tais como atraso no crescimento, aumento do abdômen devido a esplenomegalia e hepatomegalia, musculatura fraca, úlceras nas pernas, formação de massas devido à hematopoiese extramedular, deformações nos ossos longos das pernas e alterações craniofaciais5. Para as pessoas com o tipo de talassemia beta maior, que enfrentam anemia hemolítica crônica, transfusões de sangue regulares são necessárias, geralmente a cada 20 dias, ao longo de toda a vida3,5.

Quanto às talassemias beta intermediária ou alfa intermediária, o tratamento pode envolver transfusões de forma intermitente ou prolongada, dependendo da evolução clínica de cada paciente3,5. É crucial adaptar a abordagem terapêutica com base nas necessidades individuais, monitorando de perto a resposta ao tratamento e ajustando-o conforme necessário. Além das transfusões de sangue, outros cuidados médicos como terapia quelante para gerenciar o acúmulo de ferro resultante das transfusões frequentes, também são parte integrante do plano de tratamento. Uma abordagem multidisciplinar, envolvendo hematologistas, especialistas em cuidados paliativos e outros profissionais de saúde, é fundamental para oferecer uma atenção abrangente e personalizada às pessoas vivendo com talassemias3,5.

Objetivos

O objetivo do presente estudo foi traçar o perfil sociodemográfico do paciente com Talassemia no Brasil entre 2010 e 2022, além de analisar informações da produção ambulatorial e hospitalar para essa população e realizar uma série histórica de mortalidade para o mesmo local e período.

Metodologia

Foram selecionados dados secundários para todos os tipos de Talassemia categorizadas pelo CID Principal/Topográfico D56.0 a D56.9 do período de 2010 a 2022 nas bases públicas do Ministério da Saúde referentes à mortalidade do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), produção ambulatorial do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) e autorizações de internações hospitalares do Sistema de Informação Hospitalares (SIH).

Esses bancos de dados dizem respeito à produção ambulatorial e hospitalar para a Talassemia provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS), não apresentando dados da rede complementar. As bases públicas SIM, SIA e SIH usadas foram adquiridas no site de sistematização de dados do Ministério da Saúde, através do link: https://datasus.saude.gov.br/transferencia-de-arquivos/.

Os bancos de dados foram limpos e organizados com o Microsoft ExceI® para que fossem identificadas as seguintes variáveis dos pacientes: sexo, faixa etária, raça/cor, município em que reside e em que se trata (para avaliar se houve deslocamento), tempo entre diagnóstico e tratamento, local do procedimento/internação, custo do procedimento e da internação, tipo de procedimento, ano de diagnóstico, ano de realização do procedimento, ano de internação e ano de óbito para produção da série histórica nos anos estudados. Também foi realizada uma estimativa de quantidade de usuários do SUS com talassemia através do cruzamento de informações do município de residência, sexo, CID e instituição de saúde de tratamento. Foram excluídos os CIDs D56.0 e D56.3 por não apresentarem necessidades de tratamento. Sobre os procedimentos listados, foram selecionados todos, desde exames de análises clínicas, exames de imagem, transfusões sanguíneas e procedimento de acompanhamento do paciente.

A partir disso, foi produzido um painel de bordo contendo as informações mais pertinentes do estudo para visualização através do programa Microsoft PowerBI®.

Resultados

1.       SISTEMA DE INFORMAÇÃO AMBULATORIAL – SIA

Foram produzidos 133.893 procedimentos entre 2012 e 2022, onde o mais prevalente foi a Transfusão de concentrado de hemácias. O estabelecimento com maior número de procedimentos foi o Hospital das Clínicas da Unicamp de Campinas, com quase 50 mil procedimentos produzidos. Ao todo, 233 estabelecimentos foram computados como de uso para pacientes ambulatoriais. O estado com maior número de procedimentos foi São Paulo (86.154), seguido por e Paraná (29.379) e Minas Gerais (4.721). O ano de 2022 foi o ano com mais pacientes estimados, totalizando em 662.

O ano com maior número de procedimentos na série histórica foi 2013, com 15.039, e o menor foi 2020, muito provavelmente como consequência da pandemia de Covid-19, com 9.713. O maior custo total para procedimentos foi 2022, com o acumulado de mais de 2 milhões de reais em gastos em procedimentos para a Talassemia. Já o custo médio por procedimento totalizou em R$ 305,31.

Mulheres contabilizaram em 55% dos pacientes, enquanto homens, 45%. A faixa etária e raça/cor com a maior proporção de usuários foi de, respectivamente, 20 a 29 anos (29%) e branca (86,5%). A maioria dos pacientes (64,3%) não realizou os procedimentos na mesma cidade que reside.

2.       SISTEMA DE INFORMAÇÃO HOSPITALAR – SIH

Foram contabilizados 1.278 procedimentos entre as internações de 879 pacientes estimados, tendo sido o Tratamento de anemia hemolítica o mais prevalente. 3% das internações resultaram no uso de UTI. O estabelecimento com maior número de internações foi o Hospital Infantil Santiago, em Natal, Rio Grande do Norte, com 53 internações.

O ano com maior número de internações na série histórica foi 2017, com 160, e o menor foi 2013 e 2013, empatados com 109 internações. O maior custo total para procedimentos foi 2014, com mais de 750 mil reais em gastos de internação para a Talassemia. O custo médio de internação foi de R$2.382,99.

Mulheres foram a maioria dos internados (53,1%). A faixa etária com a maior proporção de internação foi de 10 a 19 anos (180 internações). Cerca de 40% dos pacientes que internaram o fizeram numa cidade diferente que residem. O estado com maior número de internações foi São Paulo (532).

 

3.       SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE MORTALIDADE – SIM

O Brasil totalizou em 153 óbitos por Talassemia de 2011 a 2020. O estado com maior número de óbitos foi São Paulo, com 56. Os anos com maiores ocorrências de mortes foram 2017 e 2020, com 19 óbitos cada. Mulheres da faixa etária de 50 anos ou mais foram as mais prevalentes (37%), bem como pessoas autodeclaradas brancas (67,3%).

 

 

Referências Bibliográficas

  1.  Rosenfeld LG, Bacal NS, Cuder MAM, da Silva AG, Machado ÍE, Pereira CA, et al. Prevalence of hemoglobinopathies in the brazilian adult population: National health survey 2014-2015. Rev Bras Epidemiol. 2019;22(Suppl 2):1–9.
  2. OMS – Organização Mundial da Saúde. Thalassaemias and Other Haemoglobinopathies. Genet Disord Indian Subcont. 2004;(May):245–64.
  3. Abrasta – Associação Brasileira de Talassemia. Jornada Abrasta de Talassemia. 2023;1–9. Disponível em: https://abrasta.org.br/info-abrasta/jornada-abrasta-de-talassemia/ Acesso em 20 de abril de 2024.
  4. Brasil. Ministério da Saúde. Talassemias. Secr Saúde [Internet]. 2014;2. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/talassemias_folder.pdf Acesso em 22 de abril de 2024.
  5. Brasil. Ministério da Saúde. Talassemia [Internet]. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/t/talassemia Acesso em 14 de abril de 2024.